Alcest: conheça a onírica, lisérgica e nostálgica banda francesa

Alcest: conheça a onírica, lisérgica e nostálgica banda francesa

Eu sempre tive um certo encanto pela nostalgia. Desde pequeno, lembrar de sons, cheiros, texturas e atmosferas de tempos passados, sejam remotos ou recentes, me traz uma sensação meio agridoce. Uma melancolia não necessariamente ruim, mas de alguma forma, estranhamente reconfortante. E o duo francês encabeçado por Neige (voz, guitarra e baixo em estúdio) e Winterhalter (bateria) do Alcest é a mais pura nostalgia em forma de ondas sonoras. É uma experiência sensorial difícil de sintetizar com palavras.

Formada no ano de 2000 em Avignon por um jovem de até então 14 anos, o gênio moderno Neige, o Alcest é uma jornada mágica, transcendental e etérea pelos confins das nossas memórias. Da primeira demo crua, fria e direta “Tristesse Hivernale” até o recente e incrível “Spiritual Instinct”, o Alcest passeia de forma muito natural entre o Black Metal e o Shoegaze pelos seis álbuns de estúdio lançados.

O início do Alcest: “Souvenirs d’Un Autre Monde” (2007)

Capa do disco Souvenirs d'Un Autre Monde do Alcest

Poucas foram as bandas de Heavy Metal que tiveram tanta sorte de acertar a mão de forma tão perfeita em um début como o Alcest. “Souvenirs ‘dun Autre Monde” é emocionante, sincero, real e, claro, extremamente nostálgico. Sim, aquela nostalgia que disse no começo do texto. Nostalgia essa que permeia o disco da primeira até a última música, tanto sonoramente quanto liricamente. Afinal, as letras do álbum retratam as experiências sensoriais e memórias escondidas da infância de Neige.

São seis músicas que te transportam para um universo infantil. Nele, cada nova pequena descoberta se revela um mundinho totalmente novo a ser explorado. Um álbum lúdico, gracioso e extremamente forte quando necessário.

Das melodias vocais etéreas e viajantes de “Printemps Émeraude”; passando pelos interlúdios acústicos e extremamente choráveis (seguindo a famosa escola Opeth de qualidade) da faixa título e de “Ciel Errant”; até chegar na épica, grandiosa e até mesmo percussiva “Tir Nan Og”; o disco é uma pedrinha de diamante que apesar de ainda poder ser lapidada já possui uma beleza natural por si só.

NOTA: 10/10

“Écailles de Lune” (2010)

Capa do disco Écailles de Lune

Se me permite um pequeno devaneio sinestésico, vejo “Souvenirs d’Un Autre Monde” como um álbum ensolarado e iluminado por uma recém nascida luz matutina (apesar de melancólico). Por outro lado, enxergo seu sucessor, “Écailles de Lune”, como um conto de fadas que brilha pela luz da lua.

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Talvez essa viagem derive da capa desse álbum do Alcest, uma verdadeira obra de arte. Mas sendo sincero, realmente as coisas ficaram um pouco mais obscuras nesse trabalho em comparativo com o anterior. E os vinte primeiros minutos do disco já nos brindam com uma música dividida em duas partes de nove minutos cada..

A autointitulada “Écailles de Lune” une momentos de calmaria com dedilhados/vocais limpos e trechos de bateria rápida, as boas e velhas palhetadas em tremolo e os vocais rasgados herdados do Black Metal. E para fechar com chave de ouro, temos a lindíssima, fúnebre, melancólica e quase inteiramente voz e guitarra “Sur l’océan couleur de fer”.

NOTA: 10/10

“Les Voyages De L’Âme” (2012)

Capa do disco Les Voyages De L'Âme do Alcest

Uma evolução natural de seu antecessor, “Les Voyages De L’Âme” traz um Alcest que brinca mais ainda com as dinâmicas existentes entre o Black Metal e o Shoegaze. É um disco cheio de nuances (que muitas vezes, mudam abruptamente em questão de segundos) que une o melhor que existe entre os dois mundos tão contrastantes.

O disco é composto por oito canções foras de série. Umas mais, outras menos, mas acima de tudo, maravilhosas. “Autre Temps”, faixa de abertura, é um dos destaques do álbum. Sendo a primeira música do Alcest a ter um video clipe, ela mostra uma faceta, diria eu, até mais comercial (se é que posso usar essa palavra) do projeto, com um refrão bem cantável e versos super melancólicos, perfeitos para contemplar uma paisagem atrás de uma janela embaçada em uma tarde chuvosa de outono.

“Là Où Naissent Les Couleurs Nouvelles” é outra que merece uma atenção especial. No alto de seus nove minutos, a música viaja de forma muito fluida entre universos diferentes. Existe o grito de desespero, existe a voz angelical que mostra onde mora a calmaria. Existe a bateria frenética com o bumbo duplo em chamas, existe a guitarra clean de Neige, sozinha, flutuando, livre e delicada pelo ar. Todos os elementos vivendo e convergindo de forma harmoniosa.

NOTA: 9,8/10


“Shelter” (2014)

Capa do disco Shelter

Um feixe de luz que rasga uma cripta obscura, preenchendo-a de vida e esperança. É essa imagem que o terceiro álbum de estúdio do Alcest lançado em 2014, o “Shelter”, me passa. Nem melhor nem pior que os anteriores. Apenas diferente. E fantástico na sua forma de ser fantástico.

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O Shelter, quando lançado pelo Alcest, gerou certa polêmica entre os fãs da banda pela mudança brusca de direcionamento que o álbum provocou. De fato, foi uma diferença considerável, tendo em vista toda a estética obscura presente na discografia, especialmente na sequência Écailles de Lune e Les Voyages De L’Âme. Aqui, a melancolia, o peso e as lamúrias provenientes da fusão do Black Metal com o shoegaze dão lugar para um familiar e aconchegante som mais alternativo que remete bastante Slowdive e Cocteau Twins em muitos momentos. Uma sonoridade casa, que traz acolhimento e calor (talvez, seja daí que surja o nome do trabalho, “Abrigo”, em tradução literal).

A faixa de abertura do álbum e particularmente minha preferida, a chiclete “Opale”, nos traz uma atmosfera beirando o dreampop e o indie. Com uma melodia tocada pela guitarra totalmente hipnótica que evoca um sentimento ímpar de esperança, a música nos enche de uma aura clean a cada audição.

NOTA: 9,5/10

“Kodama” (2016)

Capa do disco Kodama

Kodamas. São espíritos livres defensores das florestas japonesas que vivem em árvores milenares e fortes. Apesar de serem poderosos, os Kodamas são seres que exalam serenidade e paz. A força e a plenitude caminhando de mãos dadas, passo a passo. Não existe nome melhor para sintetizar essa volta do Alcest para aquele som que une o poder dos riffs e vocais do Black Metal com a calmaria típica habitual da banda.

O disco é uma bela forma de compensar os fãs mais extremos que esperavam um trabalho com traços mais agressivos no disco anterior. Aqui temos as famosas paredes e camadas de guitarra, os gritos desesperados somados com as melodias angelicais de Neige, os interlúdios clean e tudo que fez o Alcest se tornar o que é no mundo do metal e do shoegaze.

A criação de diferentes ambientações e atmosferas também está bem presente aqui. Logo nas duas primeiras faixas do disco, “Kodama” e “Eclosion”, conseguimos sentir a força que essas mudanças de dinâmica provocam no desenvolvimento do álbum. É a velha questão dos antigos Kodamas japoneses. O Alcest é um espírito livre que respira através de ares preenchidos de caos e mansidão simultaneamente.

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NOTA: 9,9/10

“Spiritual Instinct” (2019)

Capa do disco Spiritual Instinct do Alcest

E logo na primeira nota que abre o álbum já conseguimos vislumbrar o que nos aguarda. “Spiritual Instinct” é um trabalho que abraça as origens remotas do Black Metal, cumprimenta o passado recente do Alternativo e enxerga o futuro. Um disco que, apesar de não apresentar mudanças consideráveis na sonoridade que a banda já vinha fazendo, é uma ode ao caminho trilhado pelo Alcest até aqui. Uma celebração da memória viva.

A primeira faixa, “Les Jardins de Minuit” (que por sinal, arrisco dizer que é uma das músicas mais frenéticas de toda a discografia da banda até o momento), já mostra para quê Spiritual Instinct veio. Sem muitas enrolações, após uma relativamente curta introdução de um minuto e meio, já somos atingidos por riffs em palhetadas tremolo e uma batera ensandecidamente rápida de Winterhalter.

Em tese, aqui temos o “Black” e temos o “Gaze” em proporções bastante equilibradas. Um trabalho para agradar tanto os fãs do som mais obscuro do “Écailles de Lune” quanto os admiradores da faceta mais clean e contida do Alcest presente em “Shelter”. “Equilíbrio” é a palavra de ordem que sintetiza esse presente que Neige nos ofereceu.

NOTA: 10/10

Pode perceber: a maioria esmagadora de textos que ler sobre o Alcest, você encontrará palavras que referenciam outros estados de consciência não exatamente mundanos. Como eu disse o início do texto, o Alcest é uma projeto sensorial e, digo mais, espiritual (olha que sou uma pessoa totalmente cética). Tudo aqui é poético, tudo aqui é imagético.

A genialidade por trás da mente de Neige foi capaz de criar uma obra que, de início, pode parecer de difícil assimilação. Principalmente quando você não está acostumado com esse tipo de sonoridade).

Mas quando você se entrega de corpo e alma para a música e se deixa flutuar naquele mundo celestial, a experiência entregue é transcendental, lisérgica, onírica, etérea e todas as palavras que evoquem elevação possíveis. Nenhuma definirá o que o Alcest faz, nenhuma definirá o que o Alcest é.


Agora aterrizando em terra firme e voltando para o nosso mundo dos meros e pobres mortais, me diz aí: você já ouviu o EP do Carminium? O que? Ainda não? Então corre que tá uma pedrada só 😉

Matheus Campos

Quase historiador, entusiasta da obra de Edgar Allan Poe, tiete do John Mayer, hater de cadernos de paisagem e mágicos (nada pessoal) que acredita que "Girls Just Want To Have Fun" deve ser o hino da via láctea. Tenho uma foto com a Xuxa, curto uns filminhos do Ari Aster e tudo que eu faço é pela metade.

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